A cidade do Rio de Janeiro apresenta beleza ímpar no mundo. A integração do espaço urbano com a natureza torna-lhe única e maravilhosa; porém, as desigualdades socioambientais em seu território apresentam facetas de extremo contraste. Isso evidencia o contexto histórico de exclusão que tem levado cidadãos a realidades de sobrevivência precária em assentamentos sem as condições mínimas de habitabilidade. Estes espaços caracterizam-se pela ausência de infraestrutura urbana e de acesso aos serviços públicos básicos, assim como pelo adensamento das habitações, que são implantadas de modo orgânico, “desordenado”. A consolidação de tais sítios como morada de cerca de 20% da população carioca revela severas injustiças sociais e espaciais. Assim, implementar melhorias de infraestrutura urbana torna-se um desafio complexo, mas fundamental tanto para a promoção de condições dignas de habitação, quanto para a redução dos danos ambientais dessa realidade.
Nesse sentido, e antecipando-se à realização da Copa do Mundo em 2016, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, através de sua Secretaria Municipal de Habitação, em conjunto com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), realizou o concurso “Morar Carioca – Plano Municipal de Integração de Assentamentos Precários Informais”, em 2010. O objetivo deste concurso foi selecionar equipes multidisciplinares coordenadas por profissionais de arquitetura para transformar as favelas cariocas em espaços urbanizados, considerando-as através de suas características tipológicas mais corriqueiras – por exemplo, localização em encosta –, e não determinados territórios em particular.
NOSSAS PROPOSTAS
A equipe da FFA elaborou uma das 40 propostas ganhadoras neste concurso. Partimos do princípio de que o processo de leitura territorial e dos fatores que dificultam a integração das favelas na cidade formal só é possível com a participação das comunidades. Tal interação é o elemento necessário para um entendimento com maior propriedade da realidade local, suas necessidades e potenciais. Sobretudo, ela permite tornar o projeto mais eficiente na sua proposição, conquistando a adesão dos moradores. Por isso, é preciso compreender para intervir!
Nossa proposta no concurso apresentou, tanto na nota metodológica, quanto nas soluções de projeto apresentadas, exemplos de melhorias possíveis, quando tal princípio é levado em consideração. Destacamos aqui alguns dos elementos presentes na proposta:
- Implantação de vias carroçáveis, possibilitando o acesso a serviços básicos, mesmo em situações de meia encosta.
- Separação dos fluxos entre veículos, bicicletas e pessoas, privilegiado a segurança e o conforto dos pedestres.
- Criação de espaços de uso comum, localizados nos cruzamentos ou “nós”.
- Tratamento dos cursos d’águas originados de fontes e nascentes, separando-os do sistema de drenagem e incorporando-os ao desenho urbano como elemento paisagístico marcante.
- Implantação de “caminhos/praças” em áreas com necessidade de desapropriação e/ou de evitar sua ocupação, como faixas de proteção de linhas de transmissão e faixas de servidão para as redes de saneamento básico.
- Recuperação e proteção dos taludes sempre que possível utilizando soluções de cobertura vegetal, evitando a impermeabilização das encostas.
- Readequação dos acessos às comunidades, com a implantação de marcos visuais e associando melhor acessibilidade à implantação de espaços de convivência e equipamentos de comércio e serviços que possam ser utilizados pela população da circunvizinhança.
- A desapropriação de algumas edificações no miolo de quadras ocupadas, liberando espaço para a implantação de áreas de convívio e promovendo, ao mesmo tempo, a melhoria das condições de insolejamento e ventilação das habitações remanescentes.
- A realização de pequenas mudanças nas edificações existentes para trazer melhorias para os moradores, como a inclusão de aberturas em paredes e tetos para ventilação cruzada, possibilitando a renovação do ar interno, ou a implantação de pergolados “tetos verdes” sobre as coberturas, melhorando conforto térmico.
- A formação de pequenos espaços de convivência nas escadas de acesso às habitações, com bancos e jardins integrados a uma solução de drenagem que permita sua fácil manutenção e limpeza.
- A implantação de travessia em desnível conformando praças elevadas, integrando espaços de lazer, serviços e comércio nas proximidades de vias de trânsito rápido ou corredores de transporte de massa.
Tais elementos destacam a busca por troca, equilíbrio e integração entre as populações das áreas de favela e do tecido urbano e socioeconômico formal da cidade. Portanto, a proposta buscou entender suas características marcantes das favelas, de forma a valorizar suas potencialidades, mostrando-a como espaço de carências (de serviços e infraestruturas) mas também como espaço de riqueza e diversidade, um celeiro cultural e artístico onde existem solidariedade e vida comunitária.
Não se tratou de fazer uma apologia, tampouco de romantizar o espaço da favela. Ao contrário, tentamos compreendê-lo respeitosamente para que qualquer processo de urbanização possa se apropriar de suas melhores qualidades e, desta forma, reforçar sua identidade de maneira positiva.