A orla da Boa Viagem, na Cidade Baixa, tem uma importância singular na cultura de Salvador, por ser o ponto de chegada da procissão do Bom Jesus dos Navegantes, que acontece anualmente na Baía de Todos os Santos no dia 1º de janeiro. Está localizada no trecho da borda marítima entre o Forte de Monte Serrat e o terminal de ônibus da Calçada, com cerca de 2,5 km, que inclui ainda a praia de Cantagalo.
A paisagem local apresenta inúmeros contrastes. Além da praia com água cristalina, este trecho inclui edificações históricas – como o Forte Nossa Senhora de Monte Serrat e a Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, construídos nos séculos XVI e XVIII, respectivamente –, antigas fábricas, empreendimentos de comércio e serviços, além de habitações precárias e espaços subutilizados ou abandonados. A estreita faixa de areia é muitas vezes é interrompida por construções, que segregam a praia. Tais conflitos e a ausência de espaços públicos de conexão dificultava o acesso à praia, especialmente para pessoas com necessidades especiais de locomoção.
Também, o tecido urbano do entorno apresenta ruas estreitas, com um intenso fluxo de veículos e uma drenagem pluvial deficitária, com impactos negativos na balneabilidade das praias. Para o público que frequenta o local – banhistas, comerciantes, moradores e turistas –, a ausência de infraestrutura de lazer consistia num dos principais problemas para o uso pleno do lugar. Também, a precariedade das construções e redes aéreas de telecomunicações, iluminação e distribuição de energia comprometia severamente a imagem urbana.
NOSSA PROPOSTA
A intervenção projetada pela FFA para a FMLF/PMS neste trecho de orla tão complexo e extenso considerou soluções da mesma envergadura, não apenas para a borda marítima, mas também para o entorno e as ruas de acesso. Indo além do escopo de projeto inicialmente previsto, que considerava apenas a pavimentação adequada das vias de acessos à praia, a FFA propôs a completa reestruturação urbano-ambiental da orla. Isso exigia a apropriação pública de vazios urbanos existentes, além da recuperação dos espaços públicos contíguos à praia. Tal premissa respondia aos principais desejos e demandas dos moradores e demais partes interessadas que participaram nas oficinas de desenvolvimento do projeto.
A proposta espacial estruturou-se basicamente na melhoria de praças e largos existentes e na criação de novos espaços públicos, com a adequação dos principais acessos à praia. No trecho da orla mais próximo ao Forte, que já incluía uma quadra de futebol na faixa de areia, foram implantados uma arquibancada e um grande deck de madeira, além de rampas e escadas para acesso à praia, inclusive para pessoas com mobilidade limitada. Infraestrutura para uma mobilidade inclusiva foi também incluída nos temais trechos da orla. Um deck em madeira faz a ligação, pela praia, deste trecho ao Largo da Boa Viagem, funcionando como uma promenade que marca a identidade local.
Na orla lindeira ao Largo, por conta de seu profundo valor paisagístico, arquitetônico e cultural, a intervenção organizou o fluxo de veículos da Rua da Boa Viagem, mantendo sentido único e a via compartilhada, priorizando os pedestres. O traçado do Largo foi mantido aberto, permitindo múltiplas apropriações em diferentes temporalidades. Os materiais e acabamentos propostos para este local levaram em conta o uso intenso dele nas festas populares, dando-lhe um caráter mais “mineral”. Isso faz um contraste entre o Largo e o espaço público de praia junto ao Forte, que mantém um caráter mais verde, pela presença intensa de vegetação.
Em ambos trechos, os usos e fluxos foram readequados, com a instalação de quiosques para o comércio de comidas e bebidas que acompanha o perfil de praia de lazer e turismo. Também neles, o aterramento de instalações aéreas eliminou a poluição visual, permitindo o descortinamento integral da paisagem marítima. Isso foi complementado pela implantação de infraestrutura de drenagem urbana no entorno, para garantir condições seguras de balneabilidade.
Para a requalificação dos acessos à praia de Cantagalo, foram ainda propostos espaços públicos de transição em locais subutilizados, funcionando como verdadeiros portais que marcam a interação entre a praia e a cidade. Isso implica na desocupação de espaços ociosos ou precários e na retirada de edificações que avançam sobre a faixa de areia, com a realocação de habitações e comércios, indicada dentro da poligonal de intervenção, em articulação com os novos espaços públicos propostos.