Vila Mar é uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), com ocupação iniciada no final dos anos 1970 como um loteamento popular, do qual restou um traçado em grelha na cumeada. Sua expansão desde os anos 2000 ocorre de forma orgânica e precária, como em outras ZEIS, constituindo situações de risco. Isso reflete não só a ocupação de encostas com elevada declividade, desprotegidas ou cortadas de maneira inadequada, e de fundos de vale sujeitos à inundação, mas também as condições de alta vulnerabilidade socioambiental. Tal quadro é agravado pelo lançamento direto de resíduos sólidos, águas pluviais e efluentes domésticos in natura na bacia do Rio Mocambo, lindeiro a Vila Mar.
Esta localidade foi considerada pela Fundação Mário Leal Ferreira da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) como uma área prioritária para receber intervenção de requalificação urbana. Isso porque Vila Mar apresenta áreas com susceptibilidade muito alta a deslizamentos e um setor censitário de altíssima precariedade. Por conta disso, a Defesa Civil de Salvador, CODESAL, elaborou, em 2020, um plano de ações estruturais para esta localidade, orientando as iniciativas municipais de mitigação de risco. Quando consideradas as consequências previstas das mudanças climáticas em Salvador, os problemas que os 5.300 habitantes desta comunidade vivenciam tendem a se intensificar (dado do Censo de 2022).
Face a isso, a PMS formulou uma proposta de experiência piloto de adaptação climática de ZEIS e submeteu ao Cities Finance Facility (CFF), organismo internacional que apoia a elaboração de projetos num nível suficiente para a captação de recursos para sua concretização. Com a confirmação do apoio do CFF, foi realizada uma concorrência para a elaboração dos estudos e projetos, que teve como ganhador o consórcio formado pela FFA e pela AVSI Brasil. Assim, em Vila Mar, a FFA deu continuidade a experiência de sucesso de uso de soluções baseadas na natureza (SbNs) do projeto Novo Mané Dendê.
NOSSAS PROPOSTAS
A proposta da equipe FFA/AVSI tem como objetivo contribuir para uma qualificação urbanística-ambiental integrada, equitativa e inclusiva de Vila Mar, considerando a capacidade de adaptação ecossistêmica e da comunidade. O principal elemento inovador da proposta é a incorporação da lente climática e de um sistema de SbNs de maneira transversal nas três componentes do projeto:
- Componente Urbano ambiental, considerando parâmetros mais exigentes nos projetos de mitigação de risco e adaptação climática;
- Componente Equidade e inclusão, prevendo ações para reduzir os processos de vulnerabilização aos quais a população local está sujeita, com foco na promoção da justiça ambiental;
- Componente Gestão, manutenção e pós-ocupação, propondo uma estrutura de governança colaborativa das SbNs propostas, para fomentar a sustentabilidade da intervenção.
Elaboramos uma série de estudos técnicos levando em conta as projeções das mudanças climáticas para Salvador, dentre os quais uma modelagem hidrológica e hidráulica do sistema de macrodrenagem e a atualização do mapeamento das áreas de risco: deslizamento, inundação e ilhas de calor. A partir deles e uma leitura territorial profunda, foram feitos um levantamento e uma seleção das SbNs que podem contribuir para a adaptação da localidade. Para a tomada de decisão, as SbNs listadas passaram por uma avaliação multicritério, que incluiu uma análise custo-benefício considerando os serviços ecossistêmicos prestados por elas.
Isso foi fundamental para a estruturação de um plano geral de intervenções para Vila Mar, integrando mitigação de risco, sistema viário e mobilidade, saneamento ambiental, paisagismo, habitação e equipamentos urbanos e de uso coletivo. Nossa proposta inclui a utilização de SbN em toda Vila Mar, de variadas formas: pequenos espaços verdes de vizinhança, hortas comunitárias terraceadas, biovaletas, alagados construídos flutuantes, escadas hidráulicas vegetadas, dentre outros.
O plano reforça a presença do Rio Mocambo e da vegetação, pois cerca de 20% de Vila Mar é remanescente de Mata Atlântica. A recuperação dos vales inundáveis é um de seus pontos centrais, assim como a inclusão de moradia em vias de fácil acesso e em lotes subutilizados. Outro destaque é a proposta de trilhas de monitoramento, elemento multifuncional para: promover a mobilidade de pedestres, proteger e melhorar a rede de esgoto, permitir a vigilância das áreas no entorno, prevenir ocupações irregulares e proporcionar locais para apreciação da paisagem.
Como um detalhamento de parte do plano, foram realizados projetos preliminares de contenções para as áreas de risco prioritárias, assim como de urbanização, macrodrenagem e paisagismo para os fundos de vale inundáveis, que formam parques lineares com identidades próprias. O Vale da Rua Paulo Souto (VPS) concentra novas opções de moradia; o Vale das Águas (VAG) agrupa equipamentos urbanos e habitação em torno de uma grande praça central; e o Vale do Esporte (VES) amplia as opções de esporte e lazer. Por sua vez, o Vale do Parque (VPQ) constitui um corredor verde, junto com o Parque Socioambiental de Canabrava e o Jardim Botânico, na escala da cidade. Houve também o detalhamento de projetos preliminares para três espaços públicos de referência: um cantinho ecológico, um largo com uma nascente e uma horta comunitária.
Para garantir a sustentabilidade da intervenção, propusemos um sistema de gestão partilhada das SbNs, articulando a equipe municipal e a comunidade. Com a criação das funções de agente comunitário ambiental e usuários cuidadores, as atividades de manutenção tornam-se um mecanismo de geração de renda localmente. No Plano de Manutenção e Monitoramento elaborado, foram indicados as rotinas e os procedimentos de manutenção para cada SbN, assim como para o monitoramento de médio e longo prazo dos impactos da intervenção.
O Projeto Vila Mar envolveu mais dois pacotes de trabalho com enfoque social e econômico, respectivamente. Neles, elaboramos uma estratégia de equidade e inclusão (E&I), considerando os requisitos socioambientais das principais agências internacionais de financiamento, e uma estratégia de financiamento, a partir de um inventário de potencias fontes disponíveis para apoiar a implementação de projetos de adaptação climática. Com base nisso, elaboramos uma modelagem financeira para a intervenção, de modo a apoiar a tomada de decisão da PMS, utilizando ferramentas desenvolvidas pelo CFF.
Por fim, a consultoria ainda realizou treinamentos para a equipe técnica da PMS acerca de SbN e E&I. Seja em aulas, seja em sessões técnicas de discussão dos produtos em elaboração, estas atividades reforçaram a importância da integração da adaptação climática em ZEIS com uso de SbNs.