Tombada em 2017 como patrimônio cultural municipal, a Pedra de Xangô é uma formação rochosa vinculada a cultos tradicionais africanos, sendo um marco na história de resistência daqueles que sofreram com a escravidão em Salvador. O simbolismo cultural e religioso da pedra, assim como o caráter sagrado do local, é reforçado pela presença de vegetação remanescente de Mata Atlântica em seu entorno. A preservação deste monumento natural, marco da paisagem local e símbolo de ancestralidade, resultou de uma forte mobilização da sociedade civil, especialmente estudiosos e adeptos das religiões de matriz africana.
Contudo, o monumento estava sujeito a duas ameaças. Por um lado, sua proximidade à Av. Assis Valente, uma via coletora, implicava em impactos viários como ruído, a falta de privacidade para o culto e risco de acidentes. Por outro, a progressiva supressão da mata evidenciava uma pressão de ocupação no topo da vertente ao lado da pedra. Ambas comprometiam a qualidade paisagística do local enquanto templo para os adeptos das religiões de matriz africana.
Proposta
Incitada pela pesquisa de mestrado de Maria Alice Pereira da Silva, a criação do primeiro parque brasileiro com nome de um orixá contou com projeto elaborado pela FFA para a FMLF/PMS, que valorizou este monumento singular. O desvio da Av. Assis Valente — ampliando o escopo e a poligonal inicial do Parque e, ao mesmo tempo, criando uma área de amortecimento para o uso sagrado e religioso da pedra — foi a primeira decisão importante para salvaguardar este espaço. O programa do Parque incluiu a implantação de um edifício de apoio e suporte, com um auditório para realização de eventos ligados à cultura afro e às religiões de matriz africana, assim como um memorial das nações do candomblé, ampliando as possibilidade de contato da comunidade do entorno. A recuperação dos eixos naturais de água da área, inserindo-os enquanto elemento paisagístico e sagrado, também foi uma decisão central da proposta.
O Partido Urbanístico adotado desenvolveu-se em três camadas de imersão. A Camada de Vivência coloca-se através de caminhos e espaços de convergência, possibilitando ter uma experiência cotidiana da cultura afro-brasileira. Representada por uma fita que se projeta ora como piso, ora como banco e ora como cobertura, a Camada de Memória serve de suporte para a exposição da memória afro-brasileira e utiliza a pedra, além da água e vegetação, como parte do acervo que conta a história das religiões de matriz africana. A Camada de Intimidade revela-se em trilhas mais estreitas que criam espaços de penetração na mata, onde é possível ter encontros mais sossegados e intimistas com a natureza e o sagrado.
A edificação foi implantada numa posição estratégica para valorizar a paisagem no entorno da pedra. Nela, foram utilizados materiais de baixo impacto ambiental, com destaque para as paredes de taipa de pilão que emolduram o Parque. O uso da taipa representa, ao mesmo tempo, uma das estratégias de arquitetura bioclimática adotadas e um resgate da expressão cultural afro-brasileira, sendo aqui valorizada. É a partir da edificação que se desenvolve a Camada de Memória, a qual se estende pelo parque trazendo informações e histórias da cultura africana e afro-brasileira. Esta construção icônica é complementada por um paisagismo que destacou espécies sagradas pelas religiões de matriz africada em toda a área do Parque, que se harmonizam com a bacia de retenção emoldurando a pedra.
A participação intensa das comunidades das religiões de matriz africana permitiu que o projeto evidenciasse toda a força e o simbolismo que emanam da pedra monumental, como também da terra crua enquanto elemento construtivo e do verde enquanto moldura primordial. Como oportunamente sintetizado por Maria Alice em sua tese, a edificação conforma-se como “Uma arquitetura de reencantamento, sagrada e insurgente”. O Parque Pedra de Xangô foi inaugurado pela PMS em maio de 2022.
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